Cai o sol nas ramadas. O sol, esse Van Gogh desumano... E telas amarelas,calcinadas, Fremem nos olhos como um desengano. A cor da vida foi além de mais!Lume e poeira, sem que o verde possa Refrescar os craveiros e os tendais De uma paisagem mais secreta e nossa. Apenas uma fímbria namorada, Vermelha e roxa, se desenha ao fundo O mosto de uma eterna madrugada Que vem do incêndio refrescar o mundo.
"O Doiro
sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se
desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da
natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as
encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou
músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares
plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de
nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que
nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos
montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um
poema geológico. A beleza absoluta."
-Miguel Torga in "Diário XII"
DOIROSuor, rio, doçura.
(No princípio era o homem ...)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca desagua ...
